segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Devaneio azul-anil; 07.2010

Eu hei de ser assim, penso. É estranha a forma com que os pensamentos são imprevisíveis: hora vão se desenrolando, como um fiozinho amarelo de barbante; hora surgem como um rato de pára-quedas. Sentada nessa varanda improvisada, tentando esquecer a infeliz da dor de cabeça que me assola, me vem isso em mente. Hei de ser essa eu, essa de agora. Tanto já gastei de meu tempo de travesseiro tentando achar palavras, achar um jeito de me decifrar. Não para entender como funciono, mas para conhecer-me. Existe essa idéia de que coisas abstratas não tem conceito, mas agora, agorinha mesmo, assistindo o movimento dos semblantes sérios e dos passinhos apressados dos transeuntes ali embaixo, percebo que isso há de estar errado: fosse assim, um tanto de coisas não teria significado. Pessoas são tão difíceis de serem sabidas quanto algum sentimento. É meio aquela velha história de "o que é o azul?". Começarei daí então. Azul é o céu, é o mar, é a cor do meu humor. É o primeiro dos reflexos que surge no meu espelho quebrado. É até onde alcança minha vista no banco traseiro de uma caminhonete na estrada. Azul é o melhor adjetivo pra o jeito amassado que o meu melhor amigo deixa os meus lençóis. Azul é o silêncio do meu despertador do Mickey nas manhãs de domingo. Vê? Tudo isso é azul. E daqui a pouco, um monte de outras coisas vão ser azuis também. Mas agora, isso, e só isso, é o segredo do azul. Eu sou essa agora também. Sou inquieta como o timer da minha geladeira, talvez menos barulhenta. Sou um pouco da quentura das maçãs do rosto da moçinha ali do lado. Sou a vontade que eu tenho de conhecer nomes de vinhos. Acho que, nesse exato instante de agonia e paz, de ânsia por cigarros e por um abraço, eu hei de ser essa. Essa que sorri sozinha, de cantar quebrado, por ter pensamentos tão, tão cheios de fumaça azul.