quinta-feira, 7 de junho de 2012

Na ponte aérea;23/05/12

É quarta-feira
Horário de pico no Santos Dumont
Há tanto morto que não se importa.


Uma voz por quem já fui ensandecido diz mecânica
Os números do nosso antigo quarto
E chama outros com ela
E despe outros na alfândega.


O aeroporto, entretanto, estirado
Entre táxis inflacionários e shoppings centers
Penaliza a saudade que sente
Com atraso de meia-hora.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Não Há o Fim da Poesia; 02/06/12

Não há o fim 
da poesia
Um poema não se pára com grunhidos
Porquesnkjvvfs
e afhkvfdo.

Nem com blitz cones multas:
um poema inadimplente 
tem um quê de mulher madura

e não se pára a poesia com olhares!
todo estopim de rima
continua, magnético,
como amores de transportes públicos.

Mesmo que arda.

Não há o fim
da poesia
nem quando acaba o amor

os entremeios sentimentalistas
são como o fim do verso
são como o ar
que fica

onde caberia toda a virtude do lirismo e há nada
[como ao final verídico de um filme muito triste
a falta da mentira causa asco
livre de culpa]

e gera uma revolta louca e eterna
até somente a próxima estrofe,
estação ou vida

já que se encomprida
ah!
e que se encomprida
certamente
na próxima estrofe,
estação ou vida. 

terça-feira, 5 de junho de 2012

O Grito Da Felicidade; 25/04/12



 Eu curtia uma magrinha. Mas magrinha assim, de espetar e bater osso no osso, que se caísse de finca na água furava o ladrilho. Na época de colégio, era chegar uma girafinha, uma cabo-de-vassoura... E eu ir atrás carregando meus buquês. Pessoal implicava. "Ezequiel tá embaitolando", diziam, "e não é de hoje!". Lá pelos quinze, dezesseis, um tio preocupou-se a sério. Eu tinha primo na capital no páreo pra governador, ano de eleição; pensa numa dessas na boca da oposição! Fecharam-se à sala. Na época, minha garota tinha ido pro estrangeiro eu andava mesmo muito sem jeito de olhar as outras - todas de rebolado forte, sem saboneteira. Viver era um sacrilégio. 
 Terminada a reunião, eu já pensava nas ideias. Iam querer me casar. Iam, iam querer me casar e me pôr para morar com ela, ela que ia ser uma dessas "mulherão", parecer jogador de críquete. Não ia nem ter o ossinho - ai! - da base das costas. Um dia teria filhos e seria o fim de tudo; os quadris ocupariam a cama. Manchete: morre o marido esmagado. Moleque que era, só fazia suar. 
 Quando me veio o tio, chorei histérico. Acabou que o resolvido era carregarem-me de todo jeito ao prostíbulo da Joyce(a mesma Joyce que meu pai chamava quando bêbado) e caparem-me a virgindade enquanto essa existia. Fiz que era alívio, tomei um banho. Pensei na moça com quem deixava de casar e conhecer, nela toda de véus e papagaiagens. Senti saudade pela primeira vez das coisas ruins que não chegam a acontecer. Chorei de novo.

Lá chegando, ainda pensava na minha magrinha. Na cavalona da imaginação. Acho que olhando bem nos olhos daquelas putas, essas paixões antigas todas me envelheceram no peito. Senti que eram ossos do ofício estar ali - quis até ter tido bigode. Era um mártir da pura raça, o Getúlio entregando a presidência, o terno preto do rei Roberto. Nesse acochambramento heroico, acabei por deixar escolherem-me a minha. 
Tesa, meio alta, muito prática. Fiquei mais tenso que se fosse gorda. Joguei conversa. Eu nunca tinha visto uma mulher com tão pouca roupa e nela, tão escrachada, procurei qualquer coisa sobrando, como de costume. Uma gordura, coxas roliças, braços cheinhos. Faltava tudo, perfeitamente encovada. Até a voz riscava. Constatei: não era desnutrida, era infeliz.
A gente se amou demais. Como era louca essa coisa de sexo, uns bichos se esfolando, uma alegria tremenda. Ela tinha nas costas ossinhos que voavam. Gritou um tanto. 

A sustança de um dos gritos me afagou lá dentro. Fomos embora em seguida. Ainda em horas passadas eu sentia o estufamento daquele grito. A braguilha custou a fechar. O tio, óbvio, deu-se por satisfeito, no dia e em muitos depois. Eu, o Ezequiel das vassouras, deslanchei a pegar mulheres mais cheias, mulheres várias. É claro que jamais deixei de curtir magrinhas, mas era ver uns ossinhos saltados e lembrar do grito que aquela coitada deu. E lembrar do grito era também lembrar de saber que a felicidade é uma coisa danada de gorda.

Um Trato Na Tempestade; finzinho de abril


Quando pensava em bruma - névoa
e em trégua, então? Que covardia...
Iam as horas, o barco, a proa e espuma;
Tudo era réstia de guerra na baía.

Se vinha a areia e aos pés acarinhava
Minha pele quente a desmentia
Abocanhava um punhado, contornava,
E entregava num escarro à agua fria

Mas hoje o mar parecia tão coitado
[Acho que até quem já não mais se debatia
Mereceu menos prece de vida]

Que todo amor de meu peito fustigado
Desceu chorando o sangue da guerrilha,
E amou, mais que à ferida,
O beijo que a adormecia...

Retórica capitalista; 02/05/12


Mais veras as faces nos cruzados! 
tu jazes, fera, entre crustáceos,
e um a cada três de teus amigos
nasce fera e por vinténs é corrompido

tinhas na arte por costume una virtude
e um alento era ao salvá-la, em pecado
desse último livrar, amiúde
toda presa da vil sina de predado

vês no entanto o que diz vosso dinheiro?
louvai a Deus, buscai a liberdade,
mantém a idade de contribuinte

pois é mau visto o dom de não ser feio
por dentro; eis que no externo vale a idade
ser fera ou nada: já se não distingue. 

Dois Poemas de Beira de Estrada.



Sambinha estrangeiro; 14/05/12 – 21:00



Me quis inteira,não me quis por mim
Como se eu fosse feira só pra tua rua
[como se eu fosse feira!]
e minha oliva feia por não ser jasmim 


e o verde no laço de fita que tão bem lhe fica
fosse menos verde por não ser carmim. 


Lá pro seu cinema
uma obra-prima 
que só se explica do meio pro fim
não tem cabimento
e faz você tão bem... 


melhor ouvir o vento.
Não me quis assim.


Tão fácil prometer amor a quem não tem.
-
Madrugada; 11/05/12 




De nada adianta meu corpo no teu,
à noite, às periferias!
é o beco o teu bosque, é a mágoa tua praia
te risco descalça do meu pensamento
coloco a cintura nas calças
pondero teu desbalanço...
pudera! o céu dessa tua cidade é hotel sem estrelas.

depois, 
manhã de lavanda,
pressinto nas coisas que caem dos olhos
enquanto ainda fechados
que o teu coração é pigarro do meu

ensaio um sorriso: 
até desvario meu
bagunça teu rijo critério

e qualquer sinal de improviso
[como eu fugir do soneto]
lhe cheira a mistério...