terça-feira, 4 de setembro de 2012

Um apanhado de poemas de calor

Manhã de serviço
na calha tudo vibra
nos ossos e face da casa
no medo da casa, no poço
tudo barulha
na água da sede da casa
um formidável ensaio de folhas secas
afogam-se em silêncio
sob o tremor de parentas,
o céu sempre escuro da casa
despeja sua tensão
no varal indefeso e magro.

Manhã de serviço no interior
não há quem não veja o alvoroço
que faz a perdiz na calha
a água na casa,
o vento na folha
Você no varal.
Você pousado na varanda, no quintal,
garagem.
Você em mim.
(11/6/12)

as ancas gordas da existência
me tem denegrido a imagem
perante a bem apessoada alegria:

garota em seus sessenta e quatro,
passa por mim, desolada,
apagando os próprios passos na areia.
(11/6/12)
-
(escrito c/ mão direita)

o átomo não forma os poemas
ele inclusive os empobrece muito
já que poetas têm pouquíssima
propriedade de gênese
            (com exceção dos sonhos)
que, pensando bem,
   também são o início
de tudo.

-

Pus Quintana sob a pia
e em vez de poesia
fiz goteira.
(1/8/12)

-

esse poema que falhou em
falar de brasília
(que é de onde eu vinha)
e que jamais senão agora poderia retratar São Luis do Maranhão...

Meu poema que na verdade é de
Ferreira Gullar
porque foi ele que o leu quando eu o fazia
[e eu fiz enquanto o lia,
como as palavras dele projetassem sempre outras mais sempre outras
e saírem de mim fosse acidente de percurso
um coerente erro de digitação

coincidências da vida são sempre irrelevantes se as percebemos
mania ingrata de notar detalhes
e achar milagre elementar, viver a vida,]

Talvez se ainda lesse a Bíblia
Pudesse fazer o poema de deus
Talvez deus leia esse poema
e faça um poema meu.
(2/9/12)
-
à hora do encontro
uma estranha falta de borda nas coisas humanas

parque de terra vermelha em rebuliço
fila indiana de luto
bigodes
        um Orc ataca a princesa e
fuma um cigarro

um defunto pássaro de fotografia
um batuque que cada um escuta de um jeito
(e sempre se repete)
melancia

fim de semana estrangeiro
na minha nostalgia, a cidade
desperta as minhas alergias
e esparrama

a noite de Lua cheia
dispensa seus lobisomens
por pena
de nós, novilhos esturricados,
perdidos filhos do próprio encontro.
(3/9/12)
-

os 16 de umidade
aplicados ao horizonte infindo da ilha
de deus deus e seus querubins
secaram de tal forma meu coração
que só choro quanto meto o dedo
na quina da poesia.
(3/9/12)