segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Autorretrato; 07.01.11

Menina ávida e geniosa demais para ser bonita. Desde pequena entre trancos e barrancos com suas conjecturas, criando caso com professores de filosofia. É que Sartre era bom demais para ser esquerdista, aparentemente. Falava-se muito sobre seu silêncio, e para ela isso era só outro jeito de o mundo ser paradoxal. Aquietava-se, porque no exato momento em que proferisse qualquer coisa, deixaria de estar pensando. E pensar era sôfrego, era redundância - mas nada além do melhor do mundo. Entretanto a fala fazia jus à fama de desbocada. Arrogante? Talvez seu maior pecado fosse crer que alguém teria ouvidos como os dela, contidos; mas de cabeça aberta. O mundo desembestava a correr e só ouvia uns fiapos de suas teorias. Era Platão sem o mundo das ideias, um Newton que ao invés de maçã, recebeu uma jaca na cabeça e perdeu os eixos. Tinha a doçura do incabível, a concisão do inabalável e o porte de quem viveu mais do que gostaria. Era a bagunça mais sentida, e seu corpo era revolução. Tinha sede de justiça e divertia-se à custa de longas discussões bem argumentadas. Gostava terrivelmente de brincar com o inconsciente enquanto permanecia não na Lua, mas numa Terra mais gentil. Não vivia um dia se nada o fosse acrescentado, mas na verdade nascia a cada Sol, porque morria a cada noite. Pensava alto em suas folhas rotas, enquanto mantinha desprezo por diários.
Um belo dia de calar tornou-se muda, mas não alheia. O caber em si mesma prejudicou-se. Não sabia admirar quem gritava o que conhecia e não praticava as próprias crenças. Era ateia, vegetariana frustrada e ex-feliz. Gostava de escrever cartas de suicídio e de coleções e seus pormenores.
 Não tinha amigos porque o mundo também não os tinha, e ela gostava da acidez de estar a par: tinha vergonha do que o faziam. Falava coisas em que não acreditava, porque que espécie de criatura merecia ouvir sua inércia? Queria afogar-se na ingenuidade das almas boas que ninguém quebrou. Queria não rir o riso amargo de um livro não lido. Queria fazer da vida o seu oposto, e fazer de si uma sepultura. Diziam que comia livros, mas era mentira; eles é que a devoravam de dentro para fora, faziam ninho em suas raízes e cresciam até voar. Sabia prever cada passo de cada vida, e mesmo assim amava todas as almas vivas e mortas. Tanto amor vinha de não sei onde, e ia rumo a não sei o que.
 Para estranhos, era esquisita (em sua cabeça, a mais certa definição); para conhecidos, uma mulher louca. Mas para íntimos, ela era nada além de uma coitada que sucumbiu (não sabiam que ela estava para a pena como o Hitler para os judeus). Fazia questão de olhar nos olhos dos outros e mostrar-lhes a face rasgada sem ter vergonha. Avisava-os do ápice de sanidade que alcançava alguém antes de deixar de ser humano. Detestava que concordassem com ela, detestava que discordassem. Todos para ela eram protótipos de criaturas que jamais fariam ideia de sua sorte, de problemas proporcionalmente intensos e mesmo assim tão ínfimos. Lia Kafka em busca de auto compreensão, por pura insegurança do signo. Ultimamente, vinha tendo dessas de acreditar em astrologia. Mas ela se conhecia como jamais ninguém faria, e falava de si com uma facilidade assustadora. Doía nos outros quase sem querer, e fazia-os sorrir mais sem querer ainda. É de raciocínio comum rir do trágico, do exterior. Escrevia na esperança de largar-se e falava na esperança de espantá-los.
Tinha essa mania estúpida de escrever na terceira pessoa, como quem subestima qualquer ser desatento e ingênuo. Mas o faz na consciência de que qualquer razoável ser a veria impressa em tinta – admitir-lhe cabe não a mim.
Só espero que não se importe.

Nenhum comentário:

Postar um comentário