segunda-feira, 15 de agosto de 2011

O bom escritor


O bom escritor sente. Sente até demais, às vezes. Sabe quando cantar as palavras, sabe quando tocá-las. Sabe pô-las na boca dos outros e sabe escolher seu sabor. Sabe transformá-las em filmes, sabe quando por cores ou deixá-las em preto e branco.
Sabe deixar as palavras mudas, surdas, cegas. Sabe amá-las, sabe ninar cada uma delas e dar nome. Dar nome às palavras? Sim. Mas não pense que o bom escritor é sempre gentil. Ele também sabe ser cruel. Sabe contorcer as palavras e te deixar sem dormir à noite. Sabe juntá-las e separá-las de forma que vão lhe fazer chorar. Sabe retorcê-las em formas que as deixarão tão horripilantes que não poderá olhá-las.
Ah, não pense que ele gosta disso. O bom escritor sofre também com seu fardo, sua quase síndrome de transcrever a própria mente. Mas ele o faz. Será o bom escritor masoquista? Ora, há males que vem para bem. O bom escritor sabe disso. Ele sonha, e seus sonhos são tão consistentes que ele pode moldá-los. Ele brinca com tudo e todos, ele existe e faz existir. Como se sente o bom escritor, tão sensível, tão palpável, quando faz sorrir? O bom escritor não é egoísta. Escreve para si e para quem mais quiser.
Ah, e quando o bom escritor pega no lápis! Aí tudo vale a pena. Ele segura todos os seus tormentos, preenche todos os seus espaços. Ele fica besta e fica esperto. Nem pisca, tentando por em ordem tudo que conhece, tentando filtrar a vida num papel A4. O bom escritor sabe dizer nada e dizer tudo, sabe falar manso, sabe dançar parado. Sabe fazer sentir o que está sentindo. Sabe controlar o tempo. O bom escritor é um mentiroso, ou para ser gentil, um ilusionista. É o inventor de cada passo, que ele anda enquanto escreve.
Mas o bom escritor, acima de tudo, sabe quando não falar nada. Sabe exatamente quando algo é tão bonito, tão bruto, tão impossivelmente chocante e secreto que é melhor não dizê-lo. Por que ele sabe que a palavra escreve muito mais do que os olhos vêem. Mas que existe o indescritível; e ele tem seu valor. O bom escritor silencia, o que os outros não sabem fazer.

Nenhum comentário:

Postar um comentário