segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Parte de projetos antigos

[...] -Morreu? Morreu como?
- Morrendo, oras. Uma hora estava lá e na outra, plim, não estava mais.
- Mas e aí, o que mais?
Olhou-a como se fosse uma completa mula.
- O que mais o que? Morreu. Acabou. Fim da história. Sem coros, sem velas, sem discurso. Só... Morreu.
- Mas você a amava!
- Sim, verdade. E...?
- Como pode tratar a morte de alguém que amou com tamanha indiferença?! Como? Onde estarão teus sentimentos, Jack?
Agora sim ele arregalou os olhos. Não esperava aquela explosão de indignação.
- Acalme-se. Claro que fiquei triste, mas não podia fazer nada. Ela morreu, ora bolas.
- Mas... Mas você nem chorou?
Dessa vez ele riu.
- Querida, eu nunca chorei.
Ela parou de andar e ele se virou. Sua face estava lívida Não se podia prever até que já fosse tarde demais.
- O que quer dizer com isso, Jack?
- Nunca. Jamais achei necessário.
- Não se chora por necessidade! Jack!
- E por que se chora, então? Tudo o que faço é por necessidade. Como, bebo fumo, durmo. – Olho para você, pensou, mas calou-se. E se segurou para não se esbofetear. Pensamento estúpido.
- Jack!
Agora ela estava histérica. Jack morria de preguiça de mulheres histéricas.
- Você chora por vários motivos, ou até sem motivo... Os sentimentos se acumulam e você os joga fora! Sempre foi assim!
- Não para mim. Agora pare de drama.
- Mas, Jack...
- Ouça bem, querida. Tudo é muito mais simples do que você faz parecer: eu sou um homem. Tenho problemas. Penso um pouco e resolvo-os. Se não conseguir pensar em nada, tento qualquer coisa e seja o que Deus quiser. Sem tempo para choros. Entendeu?

Ela estava perplexa, pasmada, engasgada com suas palavras. Era uma dama, daquelas que cresceram botando enfeite em tudo o que viam. Ao ver Jack simplificando tudo, ficava meio louca. É sempre assim quando se percebe que se passou a vida inteira complicando tudo, Jack concluiu.

- Não. Você não é alguém que se compreende, Jack.
Revirou os olhos, desistindo. – e eu gosto disso.
Beijou-o.
Jack nunca tinha sido beijado na vida. Ele já beijara mais do que Casanova e Don Juan, mas nunca recebera um beijo. As garotas ficavam tontas perto dele, e se derretiam a cada toque. Mas Mary Alice não era assim. Ela, a garota mais complicada que ele já conhecera, o estava beijando.
Retribuiu com toda sua intensidade, no melhor estilo Jack.
- Sabe Jack, eu não acredito que você nunca chorou.
Ah, estava bom demais para ser real. De novo o papo de choro.
- Pois é, não.
- O que houve com Amy depois de morta?
- Joguei o corpo no mar, taquei-lhe uma garrafa de absinto e curvei-me sob a ponte.
- Jogou-a no mar?
- Sim. Veja bem, eu não teria dinheiro para enterrá-la. E como a família a deserdou quando fugiu atrás de mim, não iam financiar nada. Mas fui gentil e deixei-lhe minha bebida, para que ela se aquecesse no frio e tivesse diversão.
A garota fez menção de sorrir. Ele percebeu que foi a primeira coisa ‘apaixonada’ que dissera sobre Amy.
O oficial apareceu tão rápido que Jack ficou sem ação.
- Estou cansado de seus joguinhos, Ferraseg! – Atirou. Jack só teve tempo de pegar Mary Alice e tentar subir na proa da embarcação mais próxima, mas não foi tão rápido. Ao soltar as amarras, percebeu o sangue nas roupas. Soltou Mary Alice. E então viu.
Ele olhou no meio dos olhos da moça, olhos que outrora fizeram seu mundo tremer, e que permaneciam misteriosamente abertos, e soltou com dificuldade sua mão, que se agarrara a seu corpo. Beijou os lábios ainda quentes dela e fez menção de jogá-la ao mar. Encarou-a um segundo a mais, prensou-a contra o peito e encostou-a nas águas tortuosas. Postou a seu lado a mais preciosa garrafa de absinto e fez-lhe uma mesura que quase o derrubou. Enfiou o broche amassado no bolso do vestido antes que ela se fosse
O barco batia nas ondas devagar, e Jack já não estava sóbrio há um bom tempo. Lançou um olhar ao horizonte e viu terra seca. Provavelmente, um novo território a ser desbravado, cheio de prostitutas lindas e bebida à vontade.
Mas sem Mary Alice, pensou de má vontade.
Chegou ao novo local com toda a pompa, e foi descendo em meio à risadas. Olhava com atenção quando a sentiu. Era pequena, tímida, diferente de tudo que se referia a Jack. Mas estava lá.
Exatamente como Mary Alice estava horas atrás, pensou, a contragosto. Se pensasse nela a todo o instante, ia ficar insuportavelmente chato.
Um brotinho de água, salgada como o mar, criou-se no canto do olho esquerdo de Jack.
‘E essa agora’, pensou, enquanto apalpava o traseiro de uma linda mulher e dava outro gole em sua garrafa restante.

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