segunda-feira, 15 de agosto de 2011

A cor da estrela

Aquilo era algo que qualquer um podia ver, mas para o homem que se postava ali era algo a mais. Era um sinal.

Se não tivesse lhe prometido que deixaria o vício, já teria fumado trinta cigarros, cada qual tragado tão lentamente como faria o mar, hoje, tão cinza.

Cinza como seus cabelos.

Há algum tempo atrás não estaria ali em um dia como aquele. Por mais frio e chuvoso que estivesse, daria um jeito de descobrir suas rotas, para fingir encontrá-la por acaso. Ela riria de tamanha tolice, riria como se ninguém a estivesse olhando. Riria daquele jeito que fazia os olhos sumirem em sua pele bege-claro.
Mas não eram nesses dias que ele pensava.
Pensava nos dias claros, em que o mundo se coloria só pra deixar aqueles cabelos mais foscos. Tanto que reluziam.

Ah, quanta contradição numa só garota.

Num desses dias, um de seus favoritos, a levara para o Aquário.

Lembrou-se da cara azeda que ela fizera ao chegar lá, dizendo logo que não gostava da idéia. Sempre insistira que as águas lhe eram demasiado pesadas, e assim ocorria com as criaturas de lá. Devia ter algum trauma muito forte com o mar, mas esse era só mais um de seus mistérios que ele nunca desvendou.
Ela dizia pertencer aos céus.

O homem na ponte não ousaria discutir.

Puxou-a para dentro de um lugar, o lugar onde habitava a melhor memória que se podia guardar. Sorria calado ao saber que, aquela lembrança, conseguira manter intacta.
Ao redor dela, de seus cabelos cinza foscos, o mar os assistia. As fileiras de corais alternavam-se nas cores mais vibrantes e formatos mais inusitados, prendendo a atenção de tal forma que se assustara ao descobrir uma arraia surgir do repouso na areia. Os peixes moviam-se rápido, cardumes enormes, todos parecendo lutar para vê-la melhor.

Mas ela só tinha olhos para uma coisa.
Em meio à imensidão azul, havia uma estrela. Uma estrela-do-mar, na realidade, meio fosca como seus cabelos. Os olhos castanho-escuros vibraram ao vê-la:
-Tom, veja só! O mar também tem estrelas, assim como o céu! Venha, veja como é linda!
Levou-o até lá e continuou olhando, olhando como um cãozinho de vitrine que pede para ser adotado. Seu maior sonho era tocar uma estrela.
Ele sumiu por alguns instantes, e quando voltou, viu-a desolada.
-Ah, Tom. Você não sabe. O mergulhador levou-a, levou-a de mim! – ela mordia o lábio, irritada e magoada ao mesmo tempo.

Essa era sua parte favorita, e fechou os olhos com força para ver bem.

Pediu a ela que sentasse quieta, de olhos fechados.

Bem em meio ao aquário que os circundava, sozinhos naquela ala mais vazia, ela sentou-se de uma vez, impaciente. Mas, a seus olhos, ela foi baixando devagar, os cabelos flutuando mais leves que o ar, como os de uma sereia.

Ela tinha a boca em forma de beicinho e os braços cruzados, e os olhos espremidos com uma força exagerada. Parecia uma fadinha raivosa, e ainda assim linda.
Tirou as mãos, até então escondidas atrás das costas, e postou no topo de sua cabeça a tal estrela. A que ele pedira para pegarem para ele.

A estrela de sua garota.

A cena seguinte parecia estar acontecendo em outra dimensão.
A estrela foi se adaptando, bem devagar, a ela. Baixou as pontas cuidadosamente, curiosa, delicada. Parecia ter medo de destruir a seda que combinava tão bem com ela mesma. Enquanto isso, a expressão da garota foi mudando. Descruzou os braços e o biquinho se transformou em um sorriso leve, que dava a impressão de que ela flutuava. Respirava fundo, como alguém que medita, e de vez em quando sentia cócegas e soltava uma risadinha incontida. Não ousava se mexer. Ficaram assim um bom tempo, o homem admirando-as fundirem uma na outra, a estrela e a garota.

Ao fim, as duas pareciam voar.

Mais tarde naquele mesmo dia, a garota diria a ele que quando a tocava, era como aquela estrela. Como se ousasse perder qualquer parte, qualquer chance de tê-la com ele.

E o homem da ponte sorriu. Na ponte e nas memórias.

O mar estava agitado.

Aquilo era algo que qualquer um podia ver, mas para o homem que se postava ali era algo a mais. Era um sinal.

As águas cinzentas lembravam-no de algo que o fazia bem. Deixou o vento bater-lhe o rosto, e sentiu-o moldar-se na mesma expressão que ela fizera.

A de ser tocado por uma estrela.

Uma que, infelizmente, não pertencia mais a ele.

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