segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Descalça

Descalça.
Olhos baixos, passos leves, descalça. E com uma saia de tule murcha pelos pingos que caiam.
 Ping - Ping.
Suaves explosões, ora densas, ora cristalinas. Musicando a tarde gelada. Não os pingos, a menina. Eles a tarde, ela a melodia. Mudei meu caminho pro caminho dela; Por aquele e por todos os dias.
Seu nome já estava fadado à arte, Beethoven previu que ela viria. Elisa. A moça do segundo andar do prédio amarelo da Liberdade; entretanto, de cabelos turvos. De madrugada, aspirante à boemia. De dia estudante de cinema. À tardezinha, concertista de violoncelo. E àquela hora, aquela que eu sei que você conhece, mas que não tem nome, exatamente depois do Sol, mas antes de escurecer, subia na ponta e pronto – nem eu mais sabia.
De começo, devagarinho, sorrateiro. Via de longe. Sentia dentro. Uma menina em um milhão. O zelador tornou-se ouvinte, quando eu contava das almas que ela me lembrava. E por fim, falei com ela. Mordiscava os lábios – Deus, eu não posso com tanto. Pintávamos faixas pra revolução. Ela dizia sobre arte e até os planetas se alinhavam pra ouvir. Tornei-me dela.
E me mantinha acordado se eu não pudesse dormir; como quem ousa pela primeira vez por no céu um passarinho. Detestava meus autores. Desrespeitava meus programas. Desregulava meu relógio. De dia em dia, se sentava ao meu piano. E as notas dançavam, somente ao toque dela. Cantava sem nem saber. Quando chovia, nos escondia no armário da cozinha. Fazia sombras, mal sabendo ser a luz. Tornou-me seu.
Mas como se sabe, belas moças não nos cabem. Acordei sem querer e dormi como quem quis. Não houve malas nem muletas pros nossos fins. E não choveu, como faria Deus se me gostasse. Os pingos escorridos foram meus.
E descalça.
Olhos certos, passos leves, descalça. De sapatilhas frouxas pelos pés que lhe serviam.
Ping- Ping.
Suaves explosões, ora densas, ora cristalinas. Musicando o peito gelado. Não os pingos, a menina. Eles a tarde, ela a melodia. Mudou seu caminho pra um caminho só seu. Por aquele e por todos os dias.

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