segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Esclarecendo; 21.12.10

Eu nunca quis fazer ninguém chorar e até hoje escuto que isso foi meu mal. Acordo, ouço da Ofélia que esqueci de novo de ir ao supermercado e que sem desinfetante ela não faz serviço. O espelho, que aliás foi exigência sua, e que você largou pregado em frente à minha sala, ralha com os meus cotovelos em cima da mesa e com minha louça trincada. "Vai que quebra?", pergunta. Ah, no dia que quebrar compro outra. Aí tem o elevador que não chega nunca - me testa a paciência - e traz ainda a velha surda do outro andar, falando e falando como que ralhando com meus ouvidos. O seu Joseudo diz que tão reclamando do barulho da máquina de escrever, ah! pro inferno com esses desalmados. Ele me olha com olhos de cruzcredoavemariadeusqueproteja, que nem tua mãe fazia direitinho(vou até perguntar se ele já trabalhou por lá). Depois, algum motorista desatento me banha de água de esgoto, porque sempre chove e isso é só outro sinal de desgraça. Assim diz Hollywood no clímax das comédias românticas que você me fazia engolir. E é essa indiferença um sinal pra mim: devolve o insulto, anota a placa, denuncia. Deixo passar. O pobre há de estar cansado que nem eu mesmo.
No metrô, a luta é outra. A passagem já é um rombo no meu bolso de colunista amador, e a moça do balcão, a Carmem(tem no crachá) nunca teve olhos. Eu mesmo nunca vi. O vagão pára fora da placa, instigando meu instinto a pensar que é só porque ninguém me quer dentro, antes tivesse me jogado na frente. Cheio, lotado, e a viagem é grande. Vem o casal de pivetes se agarrar na minha fuça, quase que me enfiando no meio se não desviar a cabeça. Pra quê? Pra me lembrar que nessa época eu estava enfiado em livro estudando pra ser alguém na vida, ou pra eu ter certeza que era pra você ainda estar aqui?
O mendigo me julga, pergunta em silêncio: "Ah, mas que alinhado esse seu terno, que bonita essa pose, esses óculos, olha cá, tá com medo de mim? Ou com vergonha?" Homem abusado, jogo moeda e ele está comprado.
Caminho caminho caminho e não vejo nada, vou no automático, até algum transeunte cuspir ao meu lado, e me descer um arrepio na espinha, porque aquele escarro está cheio de vontade de me fazer chorar; ele só não sabe disso. Um passarinho bonito caga na minha cabeça. Quero cagar na dele também pra ver se é bom, mas não me fizeram pra voar.
Chegando no serviço, o Mateus me cumprimenta, aquele aceno que diz que se eu morresse ele ia no velório botar umas flores na cova. Sento na santa da cadeira e venho escrever, que é só o que me resta, e digo sempre alguma coisa pra você. Só não falo mais em você, porque senão me despedem. Eu nunca quis fazer ninguém chorar, e pensava que era pra isso que você vivia, sua missão única no mundo, do seu coração fundido das costelas. Mas é que eu, dia desses, cumprindo dessa rotina aplainada, te vi no banco do metrô. Fazendo sabe o quê? Chorando. Eu nem sabia que você era capaz de tanto; muito menos assim em público. Não parece contigo. Aí parei para pensar sobre o meu todo dia, e eu soube que você, de todas as coisas pelas quais chorei, foi a mais ínfima de todas: o pretexto. Chorei por causa da Carmem, que provavelmente queria ter fugido pra o vale do silício e não teve dinheiro. Por causa dos meus vizinhos sem poesia e do Joseudo por nem dormir ouvindo reclamação. Chorei por conta do passarinho me cagando, do mendigo me acusando, do transeunte escarrando. Chorei porque a vida é muito feia, e você disfarçava isso muito bem.
Pra terminar, porque logo dá minha hora de almoço, eu descobri que faço e fiz gente demais chorar, que nem me fazem. Com meu teque-teque na máquina, minha memória ruim pra comprar desinfetante, minha preguiça em comprar louça nova. Mas eu nunca quis que ninguém arranjasse pretexto pra chorar por causa minha, então não culpo mais ninguém. E você, se ainda compra desse jornal falido(não me despeça, seu Fernandes, e nem limpe essa parte, redação), chora o quanto quiser, quando precisar. Mesmo se não for por mim, que eu sei que não foi.
E olha, eu nunca fui tão feliz por isso.

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