sábado, 19 de novembro de 2011

Para guardar atrás; 04.01.11


Se soubesse do quanto me fiz, do tanto que fugi, do que me tornei. Se visse por dentro das costelas o oco que me afunda, o peso que me atormenta... Não iria embora. Continuaria a mentir-me até que eu morresse de vergonha da minha própria mentira, sentando-me em bancos de praça pra falar de amor. Eu, que nunca tinha amado, que sujei minha salvação, que furei a bóia. Estaríamos onde? Pendurados um ao outro nas promessas de quem mora perto e se faz distante. Disseram-me esses dias que não há o que impeça um coração, e onde é que eu enfio a cara? Você mentiu tanto, tão forte, tão claro. Não vou impedir também, pula, coração, despenca do teu barranco de meio metro, vive de tentar acabar. Eu vou andando devagarinho, ouvindo cada bendito passarinho me cantar mil asas, caçoando da minha cilada. Não vou parar e não te quero, não te perdoo, mas eu sinto tanto. Por mim e por quem ainda vai te conhecer. Uma alma boa se desdobra, quer que escorra veneno, e sai saliva; moço, você é fraco, aprende. Você precisa dos teus filtros dos cigarros jogados no quintal, das amnésias alcóolicas de que tanto se orgulha - precisou de mim! - não duvido de mais nada. Se apóia no sacrilégio de um peito maciço, de olhos pequenos, de rosto afilado. Se veste como quem se camufla. Mas se soubesse o que me fez, o que cresci no sem querer. Se soubesse o que é ser judiado, o que é ser esquecido, o que é ser rasgado ao meio com olhar de conformismo. Enfia sua pena na goela, eu não vivo do teu favor, nem você vive, por que agora o medo de olhar pra mim? É medo de se ver, de ter construído um assim como você? Só que eu sou mais forte, eu sou inerte e menos apavorada. Sou fracassada com diploma, tirando os últimos dias do amor e os primeiros do ano pra atormentar o seu silêncio trôpego. Amanhã vou pra São Paulo, me encontra na Rua Augusta, vai ao metrô comer seu crepe estragado. Vai tentando se desfazer enquanto o tempo cochila.

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